O ano era 2000. Eu tinha entre nove e dez anos de idade. Era
ano de campanha eleitoral para a Prefeitura de Brejo. E embora faça muitos
anos, eu lembro bem de como aquela campanha foi tensa. Dois grupos, o quatorze
de Omar e vinte e cinco de Carlota, gladiaram entre si por três meses da
maneira mais ferrenha que se pode acreditar. Lembram-se das ofensas? Lembram-se
dos factoides, boatos e perseguições? Eu era só uma criança, mas lembro bem.
Lembro porque acompanhei de perto. Naquele ano toda a minha família era eleitor
do grupo de Carlota. Meus pais sempre me levavam aos comícios. Eu via aquilo
maravilhado. Recordo perfeitamente de minha mãe com camisa do 25 e bandeiras.
Ainda hoje eu lembro de algumas músicas da campanha. Para vocês verem como
aquilo foi marcante na vida de uma criança de dez anos de idade. Vendo tudo
aquilo em torno da figura da doutora eu idealizei uma verdadeira heroína.
Colecionei inúmeros “santinhos”, adesivos e confeccionava miniaturas de
carrinhos de som. As vezes que eu via doutora Carlota de perto eu ficava
nervoso, tenso, travava... Aquele ano a campanha de Carlota foi vitoriosa. E
daquele dia jamais poderei esquecer. Morávamos na rua do Escalvado e todos os
nossos vizinhos eram do grupo adversário. Ouvimos tanta coisa nos meses de campanha.
Aguentamos tudo calado. Meu vizinho da frente chegou em casa após votar e disse
em tom de pesar enquanto colocava sua bicicleta para dentro:
- É, dessa vez a mulher vai levar!
Minutos depois dessa declaração, todos da minha casa foram
em direção à Praça da Matriz. Enquanto descíamos a Rua do Escalvado, com uma
pressa sem precedentes, víamos os eleitores adversários passando tristes.
Aquilo só confirmava a fala do vizinho. Antes de chegar na praça a gente já
sabia que Carlota havia ganhado. A visão mais marcante foi a de exatamente
chegar na Praça da Matriz e vê um grupo imenso de pessoas vindo pulando e
cantando o famoso “Arruma mala aê” em direção à praça. Eu comemorei sem ao
menos entender por completo o que aquilo realmente significava para a política.
Para mim, um menino de dez, só importava que a minha heroína tinha vencido.
Passaram os quatros anos. Veio o ano de 2004 onde houve
outra campanha para a prefeitura. E essa nova campanha foi muito mais pesada
que a campanha do ano 2000. Torcemos muito. Mais o grupo de Omar, agora 43,
ganhou dessa vez. A alegria de quatro anos antes deu lugar a quase um luto. Uma
tristeza imensa. Lembro que naquela tarde minha mãe, eu e minha prima estávamos
debaixo de um pé de laranja no fundo do nosso quintal. Vi minha mãe em uma
tristeza que nunca tinha visto. Era tudo tão inacreditável e incerto. Nunca vou
esquecer que nessa mesma ocasião passou um carro de som puxando uma mala e
reproduzindo os grunhidos de uma porca. Foi uma humilhação total. Eu não era
mais o menino de dez anos. Agora eu tinha quatorze. E já entendia algumas
coisas. Vi o lado ruim da política pela primeira vez. A humilhação, a derrota e
o desejo pelo poder que alguns têm pareciam macabro. Mas não foi aí que eu me
decepcionei não. Foi uma experiência negativamente forte, mas eu ainda guardava
aquele favoritismo por Dr. Carlota. E naquele momento sentia até muito mais
porque eu me solidarizava com a derrota que ela sofreu.
Decepção mesmo com a política só aconteceu alguns anos
depois. Exatamente em 2012. A criança de
dez anos já não existia mais. Agora havia no lugar dele um homem de 23 anos de
idade. Eu já estava morando em São Luís e fazendo faculdade de enfermagem. Os
anos anteriores a política andou tomando uns rumos estranhos e eu pouco podia
imaginar o que poderia acontecer. Meu anseio era somente que politicamente
aquele antigo grupo voltasse e entrasse na campanha para vencer. Mas não foi
isso que aconteceu. Eu recordo que estava em Brejo quando pelo rádio foi feito
o anúncio da união dos grupos de Carlota e Omar para a campanha eleitoral. Eu
fiquei absorto. Eu fiquei tão decepcionado. Era inacreditável. Inaceitável,
pensava eu. Eu fiquei horas em silêncio. Em minha casa todos ficaram como dizem
por aí, “bestas”. Não só na minha casa. Todos os lares brejenses ficaram sem
acreditar ou entender como que dois grupos que faltavam comer o fígado um do
outro de repente se uniram e ficaram felizes como um comercial da margarina
Qualy. As ofensas, acusações e insinuações maldosas na antiga TV local contra
Carlota tinham sido esquecidas como uma amnésia. Por 12 anos, desde 2000, eu
acreditava cegamente em um grupo. Mesmo sendo criança eu brigava em defesa de
Carlota. Eu não podia acreditar. A sensação era de ser usado. Eu fiquei calado.
Triste. Foi nesse silêncio que minha mente mudou. Foi exatamente nesse ponto
que a decepção gerou um sentimento de revolta. Eu lembrava aquela criança de 10
anos e o adolescente de 14 que eu havia sido nos anos anteriores. Uma criança
completamente devotada ao grupo que desde pequeno havia aprendido a ter
afeição. No meio dessa incompreensão eu fui percebendo que agora a política não
se tratava do meu bem, do bem dos meus pais, nem dos parentes ou amigos. Bom,
se um dia foi isso, naquele momento não era mais. Era sim uma luta de ego,
orgulho e desejo por poder. Aqueles dois grupos se uniram não para querer fazer
algo concreto, mas sim impedir um emergente grupo de se reeleger. O que levou
aquela união, que perdura até hoje e certamente tem prazo de validade, foram
rixas políticas e pessoais. Aprendi que as pessoas costumam se unir por aquilo
que elas têm em comum. O que eles tinham em comum era um cego desejo de não
deixar o poder na mão de um “quebrador de coco” apoiado por um deputado que
havia se tornado “rival” dos próprios tios que se uniram com os antigos
inimigos. Vi uma campanha carregada de vingança, raiva e ressentimentos. O povo
não representava muita coisa além de votos. Um grupo queria ganhar para
humilhar o outro. O maior empenho do novo grupo era a todo custo ganhar. Eu
juro que não percebi uma gota de preocupação com a cidade. E juro que depois
que eles ganharam eu torci muito para que eu estivesse errado. E pouco mais de
um ano de mandato do novo grupo eu estou tristemente consciente que estava
certo. Dois grupos de experientes políticos estão no poder e até agora não
vimos NADA. Eu desconheço o lado do grupo de Carlota que tanto fez pelo Brejo
entre 2000 e 2004 assim como desconheço o grupo de Omar que fez tantas coisas
boas entre 2004 e 2008. Eu realmente esperei muito dessa vez, mas não me
superou a expectativa em nada. Essa foi minha decepção. Não é uma decepção
contra as pessoas de Omar e Carlota, pois os dois são excelentes médicos e boas
pessoas. Minha decepção é com o modo de política que eles representam. Vocês
sabem do que estou falando não é? Se eu fosse idealizar uma imagem para esse
grupo, certamente seria de uma pessoa desvairada com um brilho doentio no olhar
devorando o que vê pela frente motivado por uma ânsia de vingança. E quem
perde? A cidade de Brejo e os brejenses. É triste ver um governo governando
para uma mínima parcela. Um governo olhando para o seu umbigo e defendendo seus
interesses. O grande erro deles, por serem veteranos, é que eles parecem ainda
não ter se dado conta que o ano agora é 2014. Hoje pensamos diferentes, as
coisas mudaram. Ninguém é tão manipulável como há quatorze anos. As redes
sociais possibilitam a expressão de opinião de disseminação de ideias como eu
tenho feito, mesmo sendo criticado às vezes. Algumas estratégias já não
funcionam mais tão bem como antes. E não há “E TOME OBRAS” que cegue a verdade
estampada nas ruas esburacadas, saúde e educação em ruínas que se instalou em
Brejo.
No momento eu, Wanderson Mota, não tenho nenhuma preferência
política. Não tenho nenhuma até o momento. Não defendo ninguém. Nem A nem B. Podem
olhar meu Facebook de cima abaixo e não há nenhum sinal de puxa-saquismo. Já outros
por aí são verdadeiros adoradores. Dessa fase eu já saí desde 2012. Eu critico
sim. Critico até demais. E só critico porque não vejo nada bom. Pois no dia que
for a Brejo e ver mudança eu quero ser o primeiro a lançar uma nota de parabéns
para a política em Brejo. Hoje o meu maior desejo é que as pessoas realmente
entendam o que eu estou fazendo. Não quero “me aparecer” porque tenho outras
formas de fazer isso mais bonita que comentários sobre esse lixo de política.
Quero que esses apaixonados entendam que meu problema não é algo pessoal com os
líderes políticos e sim com a política que eles protagonizam. Esse novo grupo
que administra Brejo já tiveram cada um uma chance separadamente. E agora eles
tem uma chance juntos de fazer o negócio realmente acontecer. E quando falo
isso, não estou falando de inauguração de santuário, ou mesmo só a reforma
deles, ou o “meio-fio” pintado de cal, escadarias e coisas do tipo. Estou
falando de mudança na forma de fazer política. Parar de perseguir quem não
votou em vocês e deixar de tanta baixaria barata no Facebook. Eu poderia citar
os nomes de alguns desses protagonistas de baixaria, mas vou me conter. Eu me
decepcionei com a política de Brejo porque ela deixou de olhar para as pessoas.
Hoje eles olham os interesses. O poder é um osso que ninguém quer largar. Há
muitos anos Brejo fica sendo como bolinha em um jogo de pingue e pongue. Ora a
bolinha está com um grupo, ora está com o outro. Dessa vez a bola está com os
dois. E assim se instaurou uma ditadura política em Brejo. A ditadura do medo.
Recebo inúmeras mensagens no WhatsApp, Facebook e celular de pessoas que
preferem me ligar para me parabenizar pela coragem de falar que tenho. E
detalhe, grande parte dessas pessoas trabalham lá dentro com eles. Mas como
eles não podem falar nada parece que sentem em mim uma espécie de porta voz das
suas insatisfações. Isso não me envaidece. Na verdade muitas vezes me
entristece porque chegamos a um nível de censura igual à Ditadura Militar da
década de 60. Nenhum contratado pode comentar nenhuma postagem de protesto como
as minhas, por exemplo, que logo sai um babão do quinto dos infernos e entrega
o coitado. Nem precisa ser contratado, basta ser só parente até de quinto grau
que o circo fica armado. A pessoa é chamada atenção. E no pior dos casos é
ameaçada em plena rede social como vimos nas últimas semanas os comentários de
um rapaz ligado a vereadora Olívia Caldas reprimindo a livre expressão de
opinião de outro rapaz. E a mesma, que tanto me inspirou votos de confiança e
esperança, se calou. Talvez um silêncio concordativo já que, como diz o ditado,
quem cala consente. Lá em Brejo tem sido assim. Eu mesmo sou vítima disso.
Cidade pequena tem esse mal.
Meu intuito nunca foi causar desconforto a ninguém. Nem
criar inimizades. Nem tão pouco bancar de chato. Não sou filho de rico e nem de
político. Sou filho de um pedreiro e uma zeladora. E meu objetivo está
claramente estabelecido. Eu quero questionar, criticar e até elogiar se um bem
for feito. Eu quero que as pessoas revoltadas em ver a cidade de Brejo assim se
manifestem e provoquem uma mudança de fato. O povo de Brejo não é burro. Sou daqueles
que pensa da seguinte maneira: se não dá certo, muda! Vamos fazer isso. Brejo
tem que mudar!
Wanderson Mota
São Luís, 02 de Outubro
de 2014